Imagem: Instagram anissima
Reportagem: Hely Beltrão
Quando as chuvas excedem a média em Feira de Santana é sempre a mesma coisa, ruas alagadas, córregos transbordando e muito mais. Porém, quem acha que esse tipo de situação só ocorre com pessoas residentes em áreas vulneráveis de maioria pobre, se engana.
Viralizou nas redes sociais, um vídeo onde uma mulher que reside em um condomínio de classe média relata de forma bastante indignada, os prejuízos sofridos e a sua residência totalmente alagada. Em entrevista ao repórter Hely Beltrão, a professora, coordenadora pedagógica e consultora em educação Ana Paula Duarte, que reside em um condomínio de classe média próximo ao Parque Linear no bairro Papagaio, contou como tudo aconteceu.
"Estávamos em um aniversário no Feira X, quando entramos na rua próxima de nossa residência que tem uma parte alta, mas já não estávamos conseguindo, porque a lagoa já tinha transbordado, fazendo com que meu esposo tivesse que vir pelo lado direito, manobrando para não entrar água no carro, conseguimos chegar em casa, a sorte foi ele ter deixado o carro na rua de trás, se tivesse deixado em casa, teríamos perdido o carro também. Quando fomos dormir, vimos que alagou a nossa rua, às 7:40h quando meu esposo se levantou, desceu e olhou, ao pisar no último degrau, viu a água invadindo a casa. Aconteceu tudo entre 7 e 8hs, a água começou a subir, levantamos desesperados para ver se podíamos fazer algo, os vizinhos estavam se mobilizando para tentar salvar o mínimo possível, colocamos algumas coisas, sofá em cima de cadeira, perdi minha mesa em MDF e uma cozinha planejada, quem é trabalhador sabe a nossa luta, o quanto trabalhamos para ter as coisas. Eu morava no Jardim Cruzeiro e meu esposo no Feira X, já vi alagamentos, mas do jeito que aconteceu ontem, nunca vi na minha vida, somente na TV e redes sociais, vivenciamos em um lugar onde jamais poderia ter acontecido isso, essa casa comprei na planta em 2015, quando vemos todo um aparato de autoridades e instituições que legalizaram a construção dessa obra aqui, me pergunto o que houve de errado, não acredito que tenha sido por culpa da chuva, acredito que houve erros, que por conta da chuva ter sido muito forte apareceram agora, estou em pânico, com medo de sair de casa, ter uma chuva e acontecer de novo, não sei a situação das drenagens"
"A síndica do condomínio está viabilizando tudo que é possível, teremos uma reunião jurídica para ver o que precisa ser feito, é preciso investigar o que de fato aconteceu, sabemos que esse condomínio está rodeado e embaixo dele tem uma lagoa, mas, se foi autorizada a construção neste local é porque teria uma mínima segurança, atualmente temos diversas tecnologias na construção civil que possibilita a construção de condomínios de alto padrão debaixo de lagoas, locais que antes eram rios, com todo um processo de segurança e preparo desse solo para receber essas construções. Aqui tivemos oito casas em nossa rua mais quatro na rua de trás, é uma situação desesperadora, quando olhei também vi que a água estava entrando pelos ralos, não tinha o que fazer, somente pedindo a Deus para que a água parasse, no desespero, meu esposo e alguns vizinhos pegaram marretas para furar o muro para tentar escoar a água, mas não adiantou por conta dos níveis diferentes dos terrenos, acabou pegando na terra onde já estava alagado. Na verdade, o sentimento que tenho é de total abandono, somos cidadãos, trabalhadores, nos viramos sozinhos, telefonamos para os números disponíveis, para receber orientações diante dessas situações, até para o Corpo de Bombeiros, para saber quais seriam os procedimentos, a primeira coisa que fizemos foi desligar os disjuntores de energia, porque estávamos dentro de casa com água no meio da canela já chegando nas tomadas, meu esposo saiu de casa e foi até a casa de duas vizinhas que não estavam e ajudou a suspender as coisas, também documentos em racks que já estavam molhando foram resgatados, foi uma solidariedade, cada um correndo para tentar minimizar o que estava acontecendo".
Para a professora, há vários culpados.
"Acredito que há vários responsáveis, inclusive históricos, Feira de Santana é um município com quase 700 mil habitantes, a segunda maior cidade da Bahia, olhando para trás, temos plano diretor, com participação social, infraestrutura de saneamento básico nos bairros? Em vários lugares, as principais avenidas, não tem rede de esgoto, os empresários tem que construir fossas e ficar todo um período retirando os acúmulos e tudo mais. Quando acontece uma chuva de verão como essa, sabemos que choveu muito foram 122 MM em 12 horas, porém, a sociedade precisa estudar, pensar, se mobilizar, politizar e compreender os processos, mas também, por outro lado, o poder público precisa ser chamado para responsabilização, não estou interessada em uma instituição, o Executivo culpar o Legislativo ou vice versa, estamos em Feira de Santana com o mesmo grupo político há décadas e várias coisas não foram resolvidas na cidade, incluindo essa questão estrutural que todos os anos sofremos perdas de vidas, materiais, afetivas e psicológicas, é um trauma grande, estou passando por isso, temos que pedir para as autoridades e sociedade, que nos unamos para que Feira de Santana seja uma cidade digna, porque nesta terra tem gente que trabalha e muito e que ama essa cidade, sou feirense raiz, nascida e criada no município, amo Feira de Santana, não quero deixá-la, mas precisamos viver melhor aqui, o município precisa acolher e amar o seu povo, porque vivemos aqui com vários problemas de infraestrutura que nem deveriam mais existir, precisamos de planejamento, projetos que transformem e nos dê qualidade de vida".
"Expus nas mídias sociais porque não quero que ninguém passe pelo que passei"
"Relutei um pouco em gravar quando estava acontecendo toda a situação, depois, quando comecei a ver a água baixando, pensei em gravar, fazer uma live, porque não posso me calar, sei que alguns vizinhos são tímidos ou não tem o letramento digital para fazer isso, por isso, assumi essa exposição, para ver se de fato haveria alguma repercussão na internet, o espaço poderoso da mídia social, para chamar atenção das pessoas e autoridades, para tudo que estava acontecendo aqui, não quero que ninguém passe por isso, sei que existem pessoas em situação pior que a minha, tinha tomado a decisão de não expor minha vida, mas a partir do momento que aconteceu comigo, pedi forças a Deus para que me iluminasse e o que aconteceu aqui pudesse de alguma maneira ter alguma repercussão para que as coisas mudem, eu quero mudança, não tenho medo, aliás, até com medo vai, precisamos muitas vezes colocar a cara no sol para que as coisas mudem, mesmo que incomode, não estou preocupada, se as pessoas acham que é exposição demais, tenho um objetivo com esses vídeos, que é resolver a questão o mais rápido possível para que não aconteça de novo comigo, meus vizinhos e com as pessoas que foram prejudicadas com essa situação, as áreas sociais do condomínio também foram atingidas de uma maneira muito grave, prejuízos enormes, eu precisava fazer isso porque entendi que seria uma via de trazer minha indignação também para luta, para que se mude as coisas em Feira de Santana, que a Câmara de Vereadores e o Executivo através desse comitê de crise se movimente para vermos de fato o poder público mais próximos da população, para que os feirenses sintam de fato que estão sendo assistidos, que possuem uma forma de agir diante dessas situações, pois nos sentimos abandonados, a própria sorte, um se solidarizando com o outro para ter os seus bens protegidos dentro da situação que vivenciamos, entendendo que estamos numa situação de privilégio em comparação a outras regiões da cidade", concluiu.